Aprendizados sobre a crise do Banco Santander com a exposição Queermuseu.
O Banco Santander, depois de receber milhares de críticas do público pelas Redes Sociais, se viu obrigado a fechar no início deste mês de setembro uma exposição de artes em seu Espaço Cultural em Porto Alegre, a qual se estenderia até outubro. A mostra foi considerada ofensiva e acusada de dar visibilidade para obras que representavam, na opinião de muitas pessoas, “apologia à zoofilia e pedofilia”, principalmente.
Os ataques começaram pelas Redes Sociais, migraram para a imprensa escrita e, posteriormente, houve uma série de desdobramentos que culminaram com grandes prejuízos para a companhia.
Vamos entender um pouco a cronologia dos fatos para posteriormente analisar o caso.
Primeiramente, após a primeira enxurrada de críticas, o banco se posicionou pelas Redes Sociais defendendo que algumas peças apresentadas na mostra foram criadas para nos fazer refletir sobre os desafios que devemos enfrentar em relação a questões de gênero, diversidade, violência, entre outros e que repudiava a pedofilia e todo tipo de preconceito. Disse adotar sempre uma posição inclusiva e, simultaneamente, incentivar mudanças no modo de pensar, em sintonia com uma sociedade diversa e democrática.
O comunicado não conteve as críticas. Ao contrário, o compartilhamento aumentava a cada dia de maneira expressiva, com ataques bastante ofensivos ao banco e com milhares de clientes ameaçando encerrar suas contas.
Percebendo a crise debelada o banco decidiu encerrar antecipadamente a exposição e foram emitidos comunicados pelas Redes Sociais e também aos colaboradores.
Em comunicado interno, Sérgio Rial, presidente do Santander, contra-atacou os opositores chamando os de intolerantes e deturpadores da informação. De acordo com ele, os ataques teriam enfoque na censura, como não se via desde a ditadura. Ele justificou que encerraram a exposição antecipadamente pelo risco físico às obras e pela integridade do espaço do Centro Cultural e das pessoas que nele circulariam. Finalizou falando que os colaboradores não deveriam ter medo e que precisariam focar no negócio, mas sem se furtar de reagir com temperança quando atacados de forma desonesta.
Nas redes sociais o tom da resposta foi bem diferente. O Santander pediu desculpas a todos que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra, reforçou que o Santander Cultural objetiva incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia. No entanto, disseram que ouviram as manifestações do público e entenderam que algumas obras desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas e que isso não estaria em linha com sua visão de mundo. Segundo eles, “quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”. Esta seria a razão do encerramento antecipado da mostra.
A nota interna vazou nas Redes Sociais, como se poderia esperar, e surgiram ainda novas críticas sobre a dissonância de tom entre os comunicados.
Após o fechamento da amostra, opositores à decisão também se manifestaram. A começar pelo próprio curador da mostra que disse não ter sido consultado pelo banco antes da tomada de decisão sobre o fechamento da exposição, desrespeitando os artistas.
Grupos de manifestantes se concentraram na frente do Santander Cultural em Porto Alegre, contrários ao fechamento da amostra e a censura imposta pelo banco às obras. Houve inclusive conflito entre os manifestantes e dois jovens presos.
Em paralelo surgiram críticas envolvendo a questão do financiamento da exposição pela Lei Rouanet e sobre o uso de dinheiro público para aquele tipo de arte. Posteriormente a assessoria do banco manifestou-se dizendo que a empresa abriria mão do benefício fiscal.
Ainda como desdobramentos, um vereador de Porto Alegre e um deputado federal deram entrevistas à imprensa comunicando terem entrado com ações jurídicas contra o banco, pela exposição abusiva.
O tema virou foco de diversos fóruns de acalorados debates tanto nas redes sociais como na grande imprensa.
Mais recentemente a imprensa noticiou também que o Santander deve perder todas as contas da 2ª maior igreja evangélica do Brasil.
Que aprendizados podemos ter a partir destes fatos?
Primeiramente, sem entrar no mérito da questão do debate se as obras da mostra eram ofensivas ou não e se o banco deveria ter tido uma curadoria intervencionista ou não, há que se levar em conta alguns aspectos que mudaram na nossa sociedade de uns anos para cá.
Com as Redes Sociais, as pessoas passaram a ter um canal muito fácil para expor suas opiniões. De certa forma, as Redes Sociais conferem uma liberdade maior de expressão, pela sua informalidade e acessibilidade dos canais. Há menos pudor quanto ao teor e ao tom das publicações no Facebook ou no Twitter do que em um email ou nas cartas que eram enviadas antigamente às empresas.
Adicionalmente, as postagens em redes sociais possuem plateia. Elas são compartilhadas e geram visibilidade e status aos autores das postagens, positiva ou negativa, perante amigos, conhecidos e público em geral.
Há que se considerar ainda que os ânimos políticos estão agitados já há alguns anos, desde as eleições de 2014. Grupos antagonistas literalmente brigam pelas redes sociais defendendo suas posições e parece que esta dualidade de pensamento partidária é extrapolada para várias questões. Este também foi o caso da exposição do Santander. Quem era contra as obras foi considerado de direita e conservador, à favor da censura, e quem era contra o fechamento das obras foi taxado de esquerdista e libertino.
Sabendo desta ebulição nas discussões sobre temas sociais e políticos pelas Redes Sociais e do enorme impacto de reverberação que estes canais possuem, qualquer empresa precisa estar ciente dos riscos em levantar questões que gerem este tipo de discussão. O que pode ser muito positivo, pode ter um viés muito negativo por outro lado. Se há risco, há que se ter planos de contingência para crises.
Outro aspecto a analisar é que as grandes organizações, de marcas conhecidas, estão sempre mais à frente na mira dos consumidores nas Redes Sociais. Por terem mais visibilidade, elas dão mais “Ibope” nas postagens. Há que se lembrar que o Banco Santander está neste momento veiculando forte campanha publicitária na mídia, inclusive com ações de merchandising diárias na Novela das 21h da Globo.
Claramente, os ataques a uma empresa por consumidores atingem os colaboradores. Os sentimentos podem variar da vergonha à raiva, mas todos se sentem de certa maneira incomodados, pois estão lá naquela empresa defendendo uma marca e seu ganha pão. O comunicado interno é fundamental. No entanto, embora com linguagens diferentes, o conteúdo das comunicações interna e externa deve ser integrado. Elas precisam “conversar”. Não existe mais um “mundo interno” e um “mundo externo”. Estes “mundos” se conversam através dos colaboradores. Era natural que pudesse vazar o comunicado interno. Porque então os tons de voz foram tão diferentes? Ao consumidor ficou a impressão de que o banco foi, no mínimo, hipócrita e que a verdadeira razão do encerramento antecipado da amostra foi a perda de clientes e os riscos físicos ao Santander Cultural com possíveis ações de violência.
Este caso do comunicado interno me lembrou muito o caso também recente da United, quando um passageiro foi retirado à força de seu assento à bordo de uma aeronave e o Presidente da empresa enviou no dia seguinte um email aos funcionários apoiando o fato deles terem seguido os processos da empresa, criticando ainda a atitude do cliente. No entanto, após revolta nas Redes Sociais, com a circulação da imagem do passageiro sendo retirado da aeronave por policiais, o Presidente da United voltou atrás em suas declarações. O que não poupou a United de enorme perda financeira, com queda nas ações.
A posição firme do líder do banco internamente foi um ponto positivo, ao meu ver. No entanto, externamente, para muitos, ficou a mensagem de que o Santander não foi forte suficiente para sustentar uma posição e se acovardou com a possível perda de clientes e ataques à sua reputação. Para outros muitos, mesmo com o encerramento da mostra, permaneceu a imagem de uma empresa que não compartilha dos mesmos valores da sociedade tradicional brasileira. E o saldo? Perda reputacional e financeira.
Particularmente, eu acredito que a medida de fechamento da amostra poupou a empresa de maiores prejuízos. No entanto, ficou claro que não havia um plano de contingência neste sentido. Atores que deveriam ter sido envolvidos na decisão não o foram e os próprios desdobramentos da decisão quanto ao fechamento parecem terem sido minimizados.
Este caso representa a grande maioria das crises corporativas. Situação complexa, cenário incerto e necessidade urgente de ação, de tomada de decisão pela alta direção.
Sua empresa está preparada para enfrentar crises como esta?
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